Dois pesos, duas medidas
Pedro Cabral
Portugal padece de um grave problema social desde o 25 de Abril de 1974, o qual apenas tem servido para enfraquecer a qualidade democrática da Terceira República.
Fruto do regime autoritário de António de Oliveira Salazar e da apropriação ideológica pelo Partido Comunista Português de uma revolta que era, na sua génese, militar, o país criou uma mentalidade social no qual tudo se deve perdoar à Esquerda e nada se deve esquecer à Direita.
Por repetidas vezes assistimos a este fenómeno vexatório nos meios de Comunicação Social, os quais fomentam uma disparidade de culpa entre ambos os espectros políticos, mesmo que a título inadvertido. Poucos casos foram tão notórios quanto aquele que ocorreu a 18 de Dezembro de 2011, quando o então Primeiro Ministro, Pedro Passos Coelho, “sugeriu aos professores que emigrassem” criando todo um alvoroço político-social que agitou o país durante semanas.
As declarações, ainda que infelizes, surgiam numa altura em que Portugal enfrentava uma das suas piores recessões, a qual havia obrigado a um corte na colocação nacional de professores do Ensino Básico e Secundário. Enfrentando o desemprego, Passos Coelho fala nos países Lusófonos como “uma alternativa”, derivada da escassez de quadros qualificados nos mesmos. Que pouca vergonha, não é?
Pois bem, o mesmo fenómeno ocorre novamente a 12 de Junho de 2016, desta vez pela boca do actual Primeiro Ministro, António Costa. No final de uma visita de três dias a Paris, António Costa falou na “oportunidade” que havia em França para os professores desempregados Portugueses, justificando-se em “alterações demográficas”. Os caros leitores recordam-se de algum alvoroço social na altura? Eu também não.
Agora questiono-vos, a situação económica do país não era ‘melhor’ em 2016? A demografia havia mudado de tal forma, no espaço de 5 anos, ao ponto de legitimar este último discurso? Sejamos honestos, António Costa evadiu-se ao mesmo escândalo que se abateu sobre Passos Coelho pelo simples facto de ser de “Esquerda”, razão pelo qual as suas palavras nunca poderem ser mal-interpretadas. Agora, um discurso daqueles ‘fascistas da Direita’? Isso é completamente imperdoável.
Passando à actualidade, o nosso Primeiro Ministro fez uma entrevista ao jornal Expresso no passado dia 22 de Agosto de 2020 onde, no seu seguimento, enquanto julgava estar a ter uma conversa em particular com o entrevistador, chamou de “cobardes” aos médicos que se recusaram a ordem da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo. Declaração gravíssima e particularmente hipócrita de António Costa, especialmente quando perante as câmaras passou os últimos meses a elogiar os profissionais de saúde que estiveram na frente do combate ao Covid-19, tendo até decidido ‘premiá-los’ com a Liga dos Campeões. Contudo, não me recordo de ter ouvido as vozes de Mariana Mortágua, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e de Rui Rio a insurgirem-se contra isto, muito menos as vozes da população. Curioso, não é?
Comecemos pela defesa da honra dos profissionais de saúde. O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) emitiu um comunicado onde esclarece que os médicos se recusaram a ir ao lar devido à insuficiência de condições técnicas, sanitárias e de segurança adequadas à exerção das suas funções sendo, aliás, a ordem proferida pela ARS ilegal por violar as convenções colectivas de trabalho. Aliás, a salubridade do lar de Reguengos de Monsaraz era tão escassa que foi necessário destacar um total de 33 militares das Forças Armadas, numa acção articulada com o Ministério da Defesa, para desinfectar o lar.
Enquanto foi politicamente proveitoso, António Costa teceu grandes discursos a elogiar a bravura e as horas que os profissionais de saúde dedicaram no cuidado dos doentes do Covid-19, tendo chegado a afirmar que a ocorrência da Final 8 em Portugal era “um prémio merecido aos profissionais de saúde”. Estando numa situação em que julgava poder falar abertamente, afirmou aquilo que verdadeiramente sentia relativamente àqueles que se recusaram a ir ao lar de Reguengos de Monsaraz.
O jornal Expresso demarcou-se logo da divulgação do vídeo, declarando repudiar a sua divulgação e que o mesmo se encontrava descontextualizado, tendo até pedido a todos os meios de comunicação social que o apagassem. Além de tentar compreender de que forma é que estas palavras podem ser descontextualizadas, julgava que era o dever dos jornalistas a divulgação de material que demonstre uma realidade fáctica.
Falando igualmente em factos, é curioso que o Primeiro Ministro tenha frequentado não a um, mas a dois jogos no Estádio da Luz. A Liga dos Campeões foi um prémio para os profissionais de saúde (verem em casa), os jogos estavam vedados ao público em geral, tendo as equipas técnicas de ser reduzidas e os familiares dos jogadores não poderem estar presentes, mas António Costa decidiu ser um ‘bom’ estadista e dar o exemplo aos Portugueses de como as coisas devem ser feitas, aceitando os convites da UEFA.
Infelizmente, que repercussões tudo isto teve? Praticamente nenhumas. Da classe política, apenas André Ventura e Francisco Rodrigues dos Santos disseram algo; não assisti a nenhuma manifestação pública, em larga escala, de desagrado pelas palavras de António Costa; a reunião com a Ordem dos Médicos foi uma farsa, tendo o bastonário Miguel Guimarães enviado uma nota aos profissionais de saúde a afirmar como as declarações do Primeiro Ministro não foram fiéis àquelas que teve durante a reunião de três horas; a discussão da grande maioria dos jornalistas ficou-se, como o jornalista Camilo Lourenço tão bem identificou, pela questão ética da divulgação do vídeo, não pela completa desresponsabilização de António Costa.
Conforme afirmei no início, utilizam-se dois pesos e duas medidas neste país, sendo que se as mesmas declarações tivessem vindo de alguém à Direita política do PS, o desenrolar de acontecimentos atrás explanados teriam sido muitíssimo diferentes. Eu até pediria para que os leitores se consciencializassem de que a contínua permissibilidade para com as atitudes e discursos de um espectro político apenas enfraquece qualquer democracia, mas infelizmente, não será a última vez a que assistimos a este fenómeno.